Macacos

por: Alexandre Costa

…macacos, malditos macacos, não param de pular, minha cabeça vai doer depois se eles não pararem.

…macacos, uns pulam mais alto que outros, minha cabeça dói, mas eles não param, eles querem as bananas, mas eu não tenho bananas comigo. Além de pular eles gritam também, mas eu não tenho nada agora. Eu sei o que eles querem, mas eu não tenho.

…ai, minha cabeça. Os gritos e saltos não param, são muitos macacos, de vários tamanhos, e eles querem bananas, mas como eu vou fazer para livrar-me deles?, estão impacientes, nervosos, e gritam cada vez mais.

…e se eu pensar em bananas?, será que eles vão embora? Vou pensar em bananas, muitas bananas, cachos e mais cachos de bananas, bem amarelas e suculentas, talvez assim eles se acalmem e vão embora levando as bananas.

 Odeio macacos, sempre odiei, desde minha infância…antes eu não entendia por que odiar macacos, mas hoje… Hoje sei exatamente porque odeio macacos: são muito parecidos com os humanos, talvez isso me irrite tanto. Ou será que nós é que parecemos muito com eles?. De qualquer maneira não gosto de suas atitudes: são egoístas, trapaceiros, e fingem ter uma inteligência que não tem. Ficam com aquelas brincadeiras idiotas, aparecem na TV fazendo novela, viram astros do cinema, trabalham na NASA, e o pior, podem dominar o planeta um dia.

…bananas e macacos são uma combinação perfeita. Venham pegar suas bananas, seus malditos!, venham.

…ah!… estão vindo, estão pegando as bananas. Pararam de pular e gritar, está dando certo: penso em bananas e eles as devoram com gula. Vou continuar pensando nelas e esperar que eles sumam de cima de minha cabeça.

…ah!, se foram, agora sim poderei ficar em paz. Não agüentava mais pensar em bananas. Macacos, malditos macacos, se foram finalmente, agora vou deitar um pouco e tentar dormir.

..!

…o quê?, quem?…

…esquilos? Malditos esquilos, parem de pular!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Rubro

rubro
por: Alexandre Costa

As peças do quebra-cabeça não se encaixavam, a imagem gravada em sua mente, nítida instantes atrás desaparecia lentamente, e fixando-se ao máximo naquela lembrança fugaz, tentava desesperadamente não perder o foco. Não podia deixar cair no esquecimento a cena composta de características fortes. Uma circunstância reveladora, porém, o mantinha na fronteira entre o sucesso e o fracasso: a extremidade de uma superfície irregular que marcava a cena como se fosse um ponto de partida, algo que ele deveria fundamentar-se para resolver o problema. Era mais policialesco que policial, arranjava-se bem em propostas mais simples, mas agora, ali, no chão da sala, o problema mais difícil de sua vida o desafiava como a esfinge que pergunta.
A cena compunha-se da seguinte maneira: um cifo encostado em uma parede, tinha sua fímbria fragmentada, porção essa dispersa pelo chão em pequenos nacos; pela janela desta parede penetrava uma luz sem força nem robustez e que pouco iluminava o ponto em que as linhas e superfícies se encontravam, criando assim um ambiente lúgubre e quase irreal; no centro um tapete de fibras rebuçava uma mancha no chão que assemelhava-se a sangue, mas que na verdade, como se ficou sabendo mais tarde, era vinagre. O vestígio de passos em direção contrária ao vaso de barro, indicava que alguém retirou-se do local rapidamente; e finalmente uma garrafa do citado ácido acético prostrado quase totalmente vazio, junto a outra extremidade do ambiente. Para ele aquela era a cena mais extravagante que já presenciara em toda sua vida. No entanto o desafio de resolvê-la o deixava demasiadamente excitado. Depois de muitos anos, encontrara finalmente um complexo jogo em que deveria combinar as peças a fim de formar um todo compreensível.

Concentrou-se primeiro no cifo, porque lhe parecia mais óbvio começar com algo mais relevante na cena. Juntou com muita dificuldade os pequenos pedaços espalhados com o propósito de reparar a borda fragmentada do objeto. Com esta parte já pronta, pode ver por completo a peça antiga de decoração. Em seguida, voltou sua atenção para a janela no desejo de descobrir algum detalhe perdido, mas nada encontrou que revelasse alguma pista escondida sob as sombras. Parou seu olhar diante do tapete no centro da sala, havia um detalhe que ele ainda não conseguia compreender: por que a mancha sob a peça não se estendia até a garrafa de vinagre na outra extremidade da sala? Ouviu um barulho na cozinha que desviou sua atenção, pensou em ir ver o que estava acontecendo, mas desviar sua concentração naquele momento poderia colocar tudo a perder, o mais importante, o mais relevante estava ali a sua frente, e para montar a cena que por um instante lhe parecia tão clara, nada poderia interrompê-lo. Olhou com mais atenção ainda e lembrou-se da superfície irregular que marcava tão fortemente o ponto de onde deveria começar, e que com toda certeza lhe indicaria a solução do problema. Mas algo novo aconteceu: um novo evento que lhe deu margem a hesitação e perplexidade, difícil de explicar naquele exato momento – e que novamente vinha da cozinha. Por mais improvável que pudesse parecer – e para ele a improbabilidade era um fator negativo – o ruído produzido na cozinha vinha de um defeito no refrigerador. Sem vacilar, desligou o aparelho rapidamente e voltou ao local de onde não deveria ter saído.

E mais uma vez a improbabilidade se fez presente, desvelando um detalhe que ele não havia percebido ainda: na outra extremidade da sala, caído junto a porta entreaberta um pequeno pedaço mordido pela metade de um biscoito de cachorro. Aos poucos aquela imagem latente manifestava-se mais claramente em sua mente. Agora, as pegadas que vinham da mancha embaixo do tapete e que se moviam em direção à porta e à garrafa tomavam um novo sentido. Um flash, e de repente toda a cena estava montada, nítida como um dia de sol. O enigma havia se revelado, e agora ele podia entender perfeitamente o que havia acontecido ali:

Alguém do lado de fora da casa arremessou um biscoito para o cachorro, que atravessou a janela; o cão pulou e derrubou o vidro de vinagre que estava em cima do batente, golpeando então a borda do cifo e quebrando-o em alguns pedaços; arremessado ao chão, o vidro de vinagre derramou uma certa quantidade de líquido; alguém ouvindo o barulho, chegou apressadamente para ver o que estava acontecendo e, percebendo o desastre, correu atrás do cão para espantá-lo pisando na poça que se formou e chutando o vidro, daí a mancha que ia em direção a outra extremidade da sala. Como não havia manchas em cima do tapete, ele deduziu que: não conseguindo limpar o chão, alguém colocou o tecido por cima das pegadas depois de espantar o cão, para esconder toda a sujeira. Provavelmente essa pessoa ouviu alguém se aproximando e saiu do local rapidamente, deixando a garrafa ainda caída no chão. Talvez fosse o filho da dona com medo de uma bronca. E assim o mistério foi resolvido e, contraditoriamente ao que ele próprio havia deduzido: não foi uma tentativa de roubo que deixou todas aquelas pistas. Deveria agora informar ao seu superior imediato sobre a solução do mistério; o que fez imediatamente e com as seguintes palavras:

– Mãe, terminei meu quebra-cabeças!

– Tá bom Rubro. Agora guarda esse brinquedo e vai tomar banho, meu filho.

Zulmira morreu

por: Roberto Prado

Toca o telefone tarde da noite, lá pelas três e meia da madrugada. Evaldo tonto de sono, tropeçando nos móveis vai até a sala atender:

– Alô?
– Evaldo?
– Sim, sou eu! – rosna ao reconhecer a voz de Timóteo, amante de sua ex-mulher.
– O que você quer a essa hora?
– Evaldo… a Mira morreu!

Silêncio. Evaldo respira fundo, procura o maço de cigarros no bolso. Está só de cueca, não há bolsos nem tão pouco cigarros. Tremendo procura um apoio na parede. Respira fundo e recomeça a falar:

– Como aconteceu?
– Não sei. Quando acordei ela estava dura ao meu lado na cama.
– Estou indo para aí. Não faça nada até eu chegar.
– Evaldo, nós estamos num hotel. – fala quase chorando.
– Me dê o endereço do hotel, logo chego aí.
– Evaldo, o hotel fica em Portugal… – agora chorando.
– O que vocês estão fazendo em Portugal? – Histérico começa a socar as paredes enquanto começa a chorar.
– O que vocês estão fazendo em Portugal? Levei quarenta e cinco anos para conhecer Portugal e você com dezenove anos está aí com a minha mulher… – interrompido por Timóteo.
– Ex-mulher Evaldo, ex-mulher! Ela falou que você estava concordando com o divórcio… – agora interrompido por Evaldo.
– Eu nunca iria concordar com esse divórcio, nunca, entendeu bem? Eu amava a Mira, amava… – interrompido por Timóteo.
– Escute Evaldo, escute o que eu tenho a lhe dizer.

Do outro lado da linha ainda dá para ouvir o choro de Evaldo, o nariz escorrendo, e os socos que ele continua dando nas paredes.

Suspiro.

– Está bem, pode falar Timóteo. Seja breve.

Timóteo pigarreia, tosse, por alguns segundos tamborila o fone com os dedos, tosse de novo e fala:

– Evaldo, agora que ela morreu, acho que podemos dividir a grana dela, o que você acha?

Evaldo, espantado, olha o telefone como se quisesse ver Timóteo do outro lado da linha. Se pergunta como um boyzinho desses, recém saído das fraudas poderia lhe fazer uma proposta dessas? Já não bastava a vergonha que ele passou quando Mira fugiu com ele? Não bastava a vergonha diante dos filhos, afinal Timóteo estava na mesma classe que o seu filho mais velho? Não bastava ele Evaldo, ter que sustentar a ex-mulher, fazer-lhe a feira toda semana. Pagar o supermercado? Suprema vergonha, pagar as roupas que Timóteo usava, e ele agora queria dividir a sua herança? Não! Evaldo desligou o telefone, voltou ao seu quarto, revirou as gavetas do guarda-roupa até encontrar a escopeta. Carregou-a, vestiu-se e pensou como mataria Timóteo quando chegasse a Portugal.

Enquanto descia as escadas murmurava:

– Essa herança é minha, só minha…

Em Portugal já era inverno…

Jagunço

por: Roberto Prado

Acabo de voltar da rua, encharcado até os ossos. Mas não quero reclamar da chuva, nem da falta dela onde mais se precisa. Para isso temos os noticiários que não nos deixam esquecer. Na rua, lembrava-me de uma conversa que tive pela manhã.
Uma amiga reclama do fim de seu casamento e de não conseguir colocar o ex-amor para fora de casa, antigo ninho de amor, promessas e agora sonhos desfeitos. Segundo ela, há vários dias deu ao companheiro o aviso-prévio, o caia fora, rua. Mas ele faz-se de desentendido e continua assombrando as paredes do lar. Dizia-me ela, que já não mais se falavam, faziam as refeições em horas diferentes, dormiam em quartos separados. Todos os dias ao sair para o trabalho recomendava (creio que esse recomendava é eufemismo) que ele não estivesse mais em casa a hora que ela voltasse à noite, mas, ó desilusão, ao chegar encontrava o mancebo largado no sofá assistindo televisão, gritando a cada gol de seu time preferido, esperando ainda que ela lhe fizesse o jantar. Se isso remete o leitor a um samba antigo é pura coincidência.

Ri de sua situação. Me diga o leitor o que se pode fazer numa circunstância dessas? Pediu-me conselhos. A mim! Ri uma segunda vez e perguntei-lhe se falava sério? O que poderia eu dizer-lhe, como eu poderia ajudar-lhe. Esse é caso em que terceiros não ajudam em nada e podem, ou conseguem somente atrapalhar. Indaguei se não seria uma fase, pois o casamento como a lua tem lá suas fases. Como a maré (coisa de quem mora no litoral) tem lá seus altos e baixos… Resumindo, fui tirando meu time de campo colocando panos quentes, saindo pela tangente. A conversa prometia ir longe, com detalhes e mais detalhes, que só servem, no futuro, para nos deixar encabulados por tê-los ditos. A palavra como flecha, depois de disparada não tem volta (eis aqui uma pérola de profunda sabedoria), assim sendo tentei fazer a velha amiga não abrir tanto assim seu coraçãozinho. Debalde. A horas tantas, sim horas “e” tantas (mesmo) ela visivelmente desesperada (aqui não nos cabe julgar se seria caso para tanto desespero) me pergunta:
– Você que conhece tanta gente em tantos lugares, não conheceria algum jagunço que desse uma lição, ou mesmo leve susto nele?
Veja leitor, eu conhecendo um jagunço, eu? Não foi possível outra vez segurar o riso. Senti uma mágoa profunda nela, pois, agora sim, era visível sua desesperança. Tentei desviar a conversa para outro assunto. Olhando pela janela vejo que vai chover logo.

Pausa.

Pensei com meus botões, ela deveria estar constrangida com seu desabafo, envergonhada da sugestão de dar um fim definitivo no futuro ex-companheiro, talvez já se imaginando nos jornais da noite, horário nobre na TV. Retalhado, encontrado num terreno baldio, pedaços espalhados numa praia, sei lá o que se passa na cabeça de uma desesperada. A cara estampada na capa de uma revista sensacionalista! A cena desenvolvia-se em minha cabeça… Esperei mais algum tempo e seu silêncio continuou ate minha hora de almoço. Sem mais nenhum contato desliguei o computador e saí. Na rua pensava ainda na sua pergunta sobre eu conhecer um jagunço, e lembrei que há uns trinta anos, quando jovem e fazendo teatro amador, sai uma noite – sim aqueles casos com o Vadinho como sempre – a procura de sanfoneiro para uma peça que montávamos à época…

Ora bolas, eu lá tenho cara de quem conhece sanfoneiros e jagunços? Poderia ter me aprofundado mais no assunto, não fosse a chuva trazer de volta a realidade.