por: Roberto Prado

Toca o telefone tarde da noite, lá pelas três e meia da madrugada. Evaldo tonto de sono, tropeçando nos móveis vai até a sala atender:

– Alô?
– Evaldo?
– Sim, sou eu! – rosna ao reconhecer a voz de Timóteo, amante de sua ex-mulher.
– O que você quer a essa hora?
– Evaldo… a Mira morreu!

Silêncio. Evaldo respira fundo, procura o maço de cigarros no bolso. Está só de cueca, não há bolsos nem tão pouco cigarros. Tremendo procura um apoio na parede. Respira fundo e recomeça a falar:

– Como aconteceu?
– Não sei. Quando acordei ela estava dura ao meu lado na cama.
– Estou indo para aí. Não faça nada até eu chegar.
– Evaldo, nós estamos num hotel. – fala quase chorando.
– Me dê o endereço do hotel, logo chego aí.
– Evaldo, o hotel fica em Portugal… – agora chorando.
– O que vocês estão fazendo em Portugal? – Histérico começa a socar as paredes enquanto começa a chorar.
– O que vocês estão fazendo em Portugal? Levei quarenta e cinco anos para conhecer Portugal e você com dezenove anos está aí com a minha mulher… – interrompido por Timóteo.
– Ex-mulher Evaldo, ex-mulher! Ela falou que você estava concordando com o divórcio… – agora interrompido por Evaldo.
– Eu nunca iria concordar com esse divórcio, nunca, entendeu bem? Eu amava a Mira, amava… – interrompido por Timóteo.
– Escute Evaldo, escute o que eu tenho a lhe dizer.

Do outro lado da linha ainda dá para ouvir o choro de Evaldo, o nariz escorrendo, e os socos que ele continua dando nas paredes.

Suspiro.

– Está bem, pode falar Timóteo. Seja breve.

Timóteo pigarreia, tosse, por alguns segundos tamborila o fone com os dedos, tosse de novo e fala:

– Evaldo, agora que ela morreu, acho que podemos dividir a grana dela, o que você acha?

Evaldo, espantado, olha o telefone como se quisesse ver Timóteo do outro lado da linha. Se pergunta como um boyzinho desses, recém saído das fraudas poderia lhe fazer uma proposta dessas? Já não bastava a vergonha que ele passou quando Mira fugiu com ele? Não bastava a vergonha diante dos filhos, afinal Timóteo estava na mesma classe que o seu filho mais velho? Não bastava ele Evaldo, ter que sustentar a ex-mulher, fazer-lhe a feira toda semana. Pagar o supermercado? Suprema vergonha, pagar as roupas que Timóteo usava, e ele agora queria dividir a sua herança? Não! Evaldo desligou o telefone, voltou ao seu quarto, revirou as gavetas do guarda-roupa até encontrar a escopeta. Carregou-a, vestiu-se e pensou como mataria Timóteo quando chegasse a Portugal.

Enquanto descia as escadas murmurava:

– Essa herança é minha, só minha…

Em Portugal já era inverno…